sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A SERVIDORA ABDUZIDA

Às cinco da manhã e já estava dando banho na neta, preparando a comida da filha, limpando o banheiro, varrendo a casa, fazendo a maquiagem, uma correria diária que desafiava seus 56 anos , mas com o corpinho da Madona, que Deus foi generoso com aquela alma recifense que agora vaga pelo planalto central do Brasil como corajosa servidora pública federal.

Era tudo bem cronometrado para dar tempo de caminhar rumo a estação Ceilândia do metrô, sem pestanejar, porque aquela era a cidade-satélite mais violenta do Distrito Federal, e não se podia vacilar, principalmente, em tempo de horário de verão quando tudo era a maior escuridão, e a bandidagem corria solta atrás das mulheres gostosas como ela.

Não podia passar por um prédio em construção sem ser ovacionada de pé pelo operarido que se esvaía em assobios e apupos, gostosa, gostosa, gostosa, esse é o remédio que o doutor me receitou, você lá em casa e eu começaria chupando pela maçaneta da porta, boa é a minha mãe que me botou no mundo você é ótima, e por aí vai...

Por isso não estranhou quando um garoto malhado de academia trocou olhares libidinosos com ela no metrô, naquela sexta-feira treze brasiliense, quando se espera tudo de ruim, metrô lotado, chuva forte lá fora, prenúncio de engarrafamento quando chegar a hora da integração com o ônibus, etc, etc, etc.

Sentiu aquele calafrio nas costas, a boca ficou seca, o coração disparou e passou a ouvir aquele frevo rasgado que sempre surgia na cabeça dela quando a emoção era muito forte, coisa de pernambucana de raça que se espalha na praça, na hora do vamos ver, e que não tem pra ninguém.

Eram cinqüenta e seis aninhos e lá vai fumaça, como já se disse aqui, mas o vigor era de uma quarentinha e trá-lá-lá; e Deusanira, ou Deusa para o pessoal mais chegado do Ministério da Integração, não era mulher de abrir de parada nenhuma, ainda mais quando se tratava de coisas do coração.

Pensou no frevo, pensou no santo, pensou na filha, pensou na neta, nos peitos, nas coxas, na bunda, estava tudo em cima, e encarou o garoto bombado de academia como quem diz venha, meu bem; venha, que aqui tem; venha, que você vai levar uma chave-de-perna inesquecível; venha, danado.

Foi quando os dois desceram na estação da rodoviária do Plano Piloto, um olhando para o outro, caminhando apressados, seguindo sem ver nada em volta, e levaram uma trombada de um motoqueiro na saída da estação, caindo cada um pro seu lado, ela mais ferida que ele, quase morta, levada sem esperança para a emergência do Hospital de Base.

Duas semanas em coma depois, quando abriu os olhos e enxergou a filha, a neta e o amante segurança do Ministério da Integração, contou tudo com todos os detalhes, que havia sido abduzida por et’s, numa tarde quente e seca, quando se preparava para sair da repartição, e veio um clarão e a levou para um casarão tipo o palácio do Itamaraty, cheio de enormes janelas.

Eram todos muito parecidos com árvores do cerrado, baxinhos mas firmes; que falavam uma língua como se fosse uma mistura de alemão com espanhol, dura mas sensual; que se comportavam como os políticos com suas mentiras deslavadas, dissimulados mas nem tanto.

E que um deles a engravidou numa noite de farra muito doida, com um Reginaldo Rossi na radiola de ficha, muito rum com coca, muita rapariga brega na gafieira, um cheiro de perfume de gardênia de arrombar, uma luz vermelha profundamente infernal, e cadê a camisinha, cadê a camisinha, cadê a camisinha?

Os três escutaram tudo calados. Baixaram a cabeça, rezaram duas ave-marias e cinco pai-nossos. O amante levou a história para a repartição em busca dos atestados para evitar o corte do pagamento. A filha assumiu a limpeza da casa. E a neta parou de encher o saco na hora de comer, que o ritmo da casa passou a ser outro sem Deusa, que partiu desta para uma melhor um mês depois.

Postado por Roberto Borges

Um comentário:

  1. Cotidiano é viver ontem como se vive hoje e se viverá amanhã. Mas se você vai viver o que já viveu, pra que viver? Deusa foi pra perto de Deus. É uma mudança e tanto.

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