quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O BRUXO TRAVESTI

Ganhava mais no tarô que na calçada, mas chutava com as duas, pra garantir.

Vida dura. Só dormia depois do auxílio luxuoso de um dorflex, e de cantar bem baixinho, como quem reza: meu sangue latino-uu/minh'alma cati-vaaaaa...

Em seguida declamava o terço, com o crucifixo na mão esquerda, dica da avó piauiense que lhe ensinou também a acender meia vela diária pra Xangô e a deixar dez centavos mensais para a Universal.

De dia, atendia no consultório sentimental Tenda da Alegria, como El Bruxo do Núcleo Bandeirante, cidade-satélite de Brasília, e à noite, era a Madonna do setor hoteleiro sul da capital federal.

E o melhor disso tudo é que chegou a dar assistência aos membros de uma mesma família, ao mesmo tempo, esposa e marido ex-senador, cada qual atendido em suas carências, há muito e muito tempo atrás, estando todos os envolvidos já em outro mundo, é bom deixar bem claro.

Mas isso vai ser contado aqui mais adiante, agora vamos saber mais sobre quem foi Abgail.

Aos treze anos e já achava que não chegaria aos 15. Não entendia como as coisas funcionavam no interior do Piauí. Quase se matou com a faca de cortar pão num dia difícil de aniversário.

Foi salvo pela avó que desmaiou na cozinha do barraco segundos antes da consumação do ato suicida:

- Essa vida não me merece, voínha, eu quero sumir do Piauí e do mundo, para sempre, forever, forever, forever.

Mas a velha caiu aos pés dele balbuciando umas últimas palavras que mudaram o rumo daquela vida precocemente errante:

- Deixa de frescura, Biguinha, (apelido carinhoso e premonitório), e vai pra Brasília tentar um emprego público de faxineiro.

Dona Arquiticlínia sabia do que estava falando. Nos tempos áureos como empregada doméstica tivera um caso com um próspero político da terra natal que terminou por fazer carreira em Brasília. Quem mandava agora no clã era o neto dele, para quem ela enviou carta recomendando Biguinha, antes de bater as botas.

No ônibus para Brasília, Abigail foi salvo pelas músicas de Roberto Carlos. Precavido, levava sempre na mochila o cd pirata de estimação que tinha toda a coleção do rei - "as curvas se acabam e eu não vou mais passar..."

Mas vamos encurtar e saber de Abigail já como El Bruxo e Madonna que é o que interessa.

A prospecção de clientes para o primeiro caso era feita na feira do Núcleo, aos sábados, quando os corações partidos femininos estavam mais suscetíveis a botes.

Já a clientela mais punk, os engravatados enrustidos, foram capturados quando Biguinha trabalhou como faxineiro no Congresso, mais exatamente nos amplos banheiros do cafezinho da Câmara.

Mas não foi servidor público por muito tempo. É que, não gostava de bater o ponto nem de usar o crachá, e, também, registre-se, os negócios cresciam graças ao seu empreendedorismo na fidelização dos seus financiadores.

Quase não ía mais nem à feira nem ao Congresso. Atendia na tenda e em hotéis. Pagamento adiantado sempre, e o dinheiro de volta em caso de não atedimento total do cliente, o que raramente ocorria.

Na tenda, usava a fantasia que costumava desfilar no maracatu. Não cobrava a consulta, apenas a manutenção. Fazia amarrações e desamarrações em prazos curtos, e era este seu grande diferencial. Cuidava de vício, inveja, traição.

Na calçada, arrebentava. Salto agulha terceiro andar, e o que mais você possa imaginar quando pensar numa criatura que se transformava numas dez Madonnas possuídas pelo que há de mais demoníaco na face da terra.

A primeira-dama senatorial, aqui já citada, queria que as cartas respondessem por que o marido se distanciava cada vez. E este último adorava as mirabolantes posições que só a Madonna de Biguinha sabia fazer.

Resultado: financiaram o bruxo travesti por uma longa temporada, até o dia em que Abigail, vencido pelo estresse, a clientela aumentando cada vez mais, falou o que não devia. Acontece nos melhores negócios.

Por puro cansaço, para acalmar a alma daquela esposa desesperada, recomendou que ela praticasse determinadas posições que só o marido e a Madonna de Biguinha sabiam.

Detalhes tão pequenos de nós dois - olhaí o rei novamente.

Claro que deu rolo. E sumiram com o bruxo travesti para sempre, forever, forever, forever.

Por Roberto Borges

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