__ Não existe mulher difícil, e sim mal cantada.
Existem os clichês. Até sedutores seriais os colecionam. Nem todos. Fabiano Negão, por exemplo, se orgulhava de duas coisas. Sedutor serial assumido, jamais recorreu a esse tipo de frase nas improváveis conquistas do sexo oposto. Leitor de poetas tísicos do século XIX, Fabiano Negão qualificava os clichês como vulgares. Ou, como preferia dizer: “vulgares e silvestres”. Aliás, ele nunca conseguiu compreender a expressão “sexo oposto”.
__Oposto a quem? Não a mim, alma gêmea das mulheres.
E a segunda fonte de orgulho? Fabiano Negão não escondia a soberba de ser reservista de terceira categoria. Caserna, repetia, é antro de boiolagem. Nascera para os prazeres mundanos da vida civil. O apelido advinha da pele tostada em prolongada exposição aos ultravioletas à beira do Atlântico. Nunca se incomodou com o apelido colocado pelos amigos, alguns invejosos do seu desempenho com o “sexo oposto”. Outros, mais sarcásticos, chegaram a ensaiar um derivativo patronímico: Fabiano pardo-ibge. Não colou. E o afetuoso Negão permaneceu, numa boa.
As praias, com seus quilômetros de biquínis sarados, sempre foram território liberado para Fabiano Negão exercitar o donjuanismo. Mas, como as espécies evoluem, atualmente se considerava um trânsfuga da solaridade. Poetizava o recolhimento:
__ Já tenho poeira de alto mar demais na epiderme.
Os ambientes climatizados se tornaram os preferenciais. Shoppings, torres polares de observação: no lugar da quase nudez da praia, a nudez apenas sugerida, insinuada, a ser explorada. Um cruzamento de pernas, um eventual “relâmpago” (como ele, numa licença meteorológica, denominava o lance de calcinha), o decote audacioso, a beleza católica do “cofrinho”. Trabalho mais para arqueólogo, a pesquisar com habilidade tesouros ocultos, imperceptíveis para os amadores.
__ Embora tenha horror às múmias, acho bela a arqueologia, uma profissão que requer paciência, muita paciência.
Fabiano Negão se dizia um cultor da paciência, excêntrico traço oriental de sua personalidade. Graças a essa característica, se tornara exímio seguidor de mulheres nos shoppings, uma técnica refinada de aproximação, aprimorada em manuais de sobrevivência em florestas tropicais, tática infalível na busca e caça da presa. Orgulhava-se do seu sofisticado know-how:
___ Seguir mulheres é uma arte para poucos.
As espécies evoluem. Fabiano Negão superara a etapa de seguir mulheres apenas por serem gostosas, tesudas. Ele vivenciava outro estágio de sedução. Seguir sim, mas só as que fossem sósias de mulheres célebres, sem levar em conta a área em que atuassem: atrizes, cantoras, modelos, até ministras, a depender das circunstâncias.
Predestinado para o ofício, Fabiano Negão, nos poucos momentos em que violava a discrição (um dos mandamentos do sedutor), relatava para os amigos o butim das expedições. O cast de sósias de mulheres famosas incluía surpreendente biodiversidade, algumas que só o gosto de Fabiano Negão poderia justificar, pouco importa.
Alguém da turma, viciado nas indefectíveis listas, chegou a anotar alguns nomes das originais das sósias que não resistiram à sua lábia aliciante:
· Wilza Carla, vedete que brilhou nos anos 70/80, célebre pela seiva dos seios, divindade de tetas totêmicas. Fez sucesso como jurada de TV e atriz de filmes undergrounds.
· Angela Rô Rô, cantora de voz bonita e rouca, colega de farra do cineasta Glauber Rocha e de operários de construção. Autora de versos cálidos, capazes de evaporar em pouco tempo uma garrafa de Bacardi: “Amor, meu grande amor, não chegue na hora marcada...”
· Zezé Macedo, atriz da época de ouro das chanchadas. Fez dezenas de filmes, ao lado de monstros sagrados da comédia como Oscarito e Grande Otelo. Linda, à sua maneira.
· Helena Ramos, grande e bela dama do cinema erótico. Pernas pioneiras e maravilhosas. Promessa de felicidade para as mãos calejadas de toda uma geração.
· Vera Fischer, atriz e deusa de púbis insurrecto. Personalidade aditivada, iconoclasta, óvni a deixar rastros luminosos pelo céu de anil.
Pela questionável contabilidade de Fabiano Negão faltava apenas uma sósia para fechar o ciclo de suas mil conquistas. O brasileiríssimo e cabalístico milésimo, única contribuição dos matemáticos brasileiros para a valorização dos números superlativos. Perfeccionista, Fabiano Negão se impôs rigoroso controle de qualidade.
__ Ou uma sósia de Luana Piovani ou nada. Paro na 999.
Os raides aos shoppings se tornaram diários. Sabe-se que a sorte é uma das aliadas dos príncipes. Final de tarde, corredor iluminado por vitrines de lingerie, eis que Fabiano Negão se depara com uma das mulheres mais lindas que o milagre da proteína já produziu.
__ Se eu tivesse sido cineclubista nos anos 60, pensaria que estaria diante de Monica Vitti.
Mas não. A moça era a cópia perfeita de Luana Piovani, que os nacionalistas assinantes de revistas de fofocas alardeiam como a reprodução nacional da atriz italiana. O impacto vertiginoso mexeu com o experiente conquistador. Toda vez que cruzava o olhar com uma felina, de longas e bem cuidadas unhas, Fabiano Negão lamentava que Hollywood não mais lançasse filmes de aventuras na selva. E filosofava:
__ A humanidade perdeu muito depois que abandonou as filhas de Tarzan nas selvas do Congo.
Contrariando um de seus principais predicados de sedutor, a paciência oriental, Fabiano Negão seguiu a sósia de Luana Piovani por pouco tempo, bem abaixo da média padrão, estimada em trinta minutos. Quando a moça sentou na praça da alimentação, Fabiano Negão, irrequieto, cedeu à ansiedade. Se aproximou, pediu licença e sentou. Apostou no elemento surpresa:
___ Você é a milésima sósia de minha coleção.
Pasma, sem entender nada, a jovem perguntou:
__ Sósia de quem?
Confiante na abordagem, Fabiano Negão, com a voz meio trêmula, revelou:
___ Sósia de Luana Piovani.
O estalo da tapa no rosto de Fabiano Negão ecoou pela praça da alimentação. As unhas do clone do produto similar nacional da atriz italiana traçaram rascantes relevos na cara do conquistador, iguais aos que se aprende nos livros de geografia da sexta série. Abatido, Fabiano Negão não perdeu a pose aristocrática. Pediu desculpas e se retirou, como um Rondon incompreendido e alvejado por flechas venenosas.
Refugiado num banco do corredor das lojas de lingerie, com a visão ainda turva, lembrou como consolo da frase que lera no romance “Suave é a Noite”, de Scott Fitzgerald.
__ “Creio que a culpa foi minha. Nunca conte uma coisa a uma mulher antes de terminada”.
Postada por Amin Stepple
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
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