Há quase dez anos Maria Dolores trabalhava num salão de beleza. Nunca faltara um dia sequer. Mas na sexta-feira, ela avisou que só chegaria depois do almoço. Afinal, aquele era um dia muito especial para aquela moça morena, cheia de vida, de sorriso espontâneo. Um antigo paquera lhe dissera certa vez que ela tinha um sorriso de anjo sacana. O que ele queria dizer com isso? Só Maria Dolores poderia saber. Ela e Godofredo, o seu noivo, o homem com quem ia casar. Ou, como ela sempre repetia para as amigas, o único homem que lhe deu segurança.
Um dia especial. Maria Dolores e o futuro marido iam alugar o vestido de noiva e o terno do casamento. A loja ficava na Boa Vista, centro da cidade. Aliás, o aluguel do vestido, imaculadamente branco, era presente de casamento da dona do salão, reconhecimento à excelente funcionária que ia trabalhar até quando adoecia. Já Godofredo, mestre-de-obra, estava mais acostumado a lidar com cimento e cal do que com roupas de grã-fino. Mas quem era ele para negar o desejo de Maria Dolores de casar de véu e grinalda?
No caminho para a loja, Maria Dolores ia fazendo planos e contas, contas e planos. Ela sabia que casamento é renúncia. Mas estava disposta a abrir mão da vida de solteira, do descompromisso do dia-a-dia, das festas de final de semana. O que queria mesmo era viver com Godofredo e ter filhos, muitos filhos. É o que mais desejava, apesar de saber que a vida estava cada dia mais difícil para todos.
Praticamente chegaram juntos à loja. Um bom sinal. As coisas estavam dando certo. Escolher um terno para o noivo não foi tarefa fácil. Desengonçado de nascença, foi difícil achar um paletó que caísse bem no parrudo mestre-de-obra. Depois de várias tentativas, a escolha recaiu sobre um preto. Até que combinou, pensou Maria Dolores quando entrava na cabine para a prova do seu vestido. O corpo da morenaça facilitou o trabalho do espelho. A noiva ia ficar realmente muito bonita, com o vestido imaculadamente branco. Um sorriso de anjo sacana.
Enquanto Maria Dolores estava na cabine, Godofredo conversava com a atendente sobre o preço do aluguel das roupas. Nesse momento, como sempre acontece na narrativa das páginas policiais, dois bandidos, armados de revólver, entram na loja e anunciam o assalto. Nervosos, limpam o caixa e todo o dinheiro que o noivo tinha levado para o aluguel das roupas.
Quando estavam para fugir, Maria Dolores sai da cabine, ainda vestida de noiva. Surpreendido, um dos ladrões atira. Disparo certeiro no peito da moça. A fuga dos assaltantes é rápida. A queda da moça mais ainda. Godofredo corre para socorrê-la. Pressentindo que vai morrer, Maria Dolores ainda tem força para dizer, bem baixinho:
“Amor, me guardei a vida inteira para você”.
Com o vestido de noiva manchado de sangue, Maria Dolores foi enterrada no Cemitério da Várzea.
Desde então, Godofredo, sempre vestindo terno preto, se fechou para o mundo, de luto. Passou a ser conhecido como o viúvo da loja de roupas de aluguel.
Postado por Amin Stepple
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
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