quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A OUTRA (NADA SE PERDE...)

A vida de Zé Carneiro não era fácil. Residente da Casa dos Estudantes, cursava Química numa universidade pública. Dinheiro curto, mal dava para as refeições. Diversão só nas baladas, que de vez em quando rolavam. Numa delas, Zé Carneiro conheceu Cristiane, recepcionista numa clínica médica.

___ Moça inteligente, desenrolada, urbana.

Além da paixão, o encontro com Cristiane mudou para melhor a precária vida de estudante de Zé Carneiro. A mãe da moça gostou dele logo de cara. E mais um prato na mesa da família que morava numa casa antiga de subúrbio passou a ser obrigatório. D. Janete sabia que o cardápio da Casa do Estudante não atendia ao apetite daquele rapaz que viera do sertão se formar na capital.

Em menos de dois anos, Zé Carneiro, apaixonado, deu um passo à frente. Entregou a Cristiane uma aliança de compromisso. Ninguém ficou mais feliz do que D. Janete:

___ Ele é um rapaz bom, de futuro, e vai fazer a felicidade de minha filha.

Casamento só quando se formasse. Assim pensava Cristiane. Pouco vocacionado, Zé Carneiro viu os colegas concluírem o curso, enquanto ele se arrastava entre as complicadas fórmulas de Química. De temperamento tranquilo, Cristiane não era dessas moças apressadas, do tipo louca pra casar. Sabia esperar.

___ Tudo tem seu tempo.

Para espanto e desespero de D. Janete. A velhota não via a hora de ver a filha subir ao altar, com todo o ritual religioso.

Mais alguns anos de faculdade, e Zé Carneiro, enfim, obteve o diploma. Foram duas festas numa só: a da formatura e a do noivado. D. Janete estava radiante num vestido vermelho comprado há mais de 20 anos.

___ Casamento só quando Zé Carneiro arranjar um emprego.

Era a justificativa de Cristiane para a família.

Dois anos depois de formado, o rapaz conseguiu um emprego na Coca-Cola como auxiliar químico. Montou um pequeno apartamento e decidiu que, questão de tempo, compraria as coisas de casa e pediria Cristiane em casamento.

A mãe da moça ficou exultante com a notícia.

Certo dia, Zé Carneiro fez as contas. Entre namoro e noivado, já haviam se passado mais de 10 anos. Estava na hora de tomar a grande decisão. Convidou Cristiane para jantar. Informou-lhe que não tinha mais razão adiar a data do casamento.

___ Não posso mais lhe fazer esperar.

A moça ouviu atentamente as ponderações do noivo. Mas, para surpresa de Zé Carneiro, tirou da bolsa uma fotografia de uma bela jovem morena. Com a voz demonstrando certo nervosismo, falou:

___ Eu não posso mais te enganar. Esta aqui é o grande amor da vida, Leninha. Quando eu te conheci, eu e ela já namorávamos. Infelizmente, não posso mais continuar com você. Não é justo.

Transtornado, perplexo com a confissão de Cristiane, Zé Carneiro só teve forças para fazer-lhe um pedido, em tom de súplica. Que deixasse com ele o retrato de Leninha:

___ Quero guardar comigo alguma lembrança deste momento em que meu coração está tão dilacerado.

D. Janete quase morre quando soube do rompimento. Jamais conseguiu compreender o fim daquele quase casamento.

Já Zé Carneiro passou a beber, com gosto e vontade. Carregava sempre na carteira duas fotografias: a de Cristiane e a da namorada dela. Às vezes, quando ficava nostálgico, mostrava aos amigos as fotos. Com a voz embargada, apontava:

___ Essa é a namorada de Cristiane.

Uma noite, Zé Carneiro estava bebendo no Bar Central. Uma bela moça morena se aproximou e perguntou-lhe, sedutora e cínica:

___ Você ainda guarda a minha foto que Cristiane lhe deu?

Foi amor à primeira vista. Leninha, a moça da foto, contou que estava solteira. O romance entre ela e Cristiane havia chegado ao fim, há algum tempo.

___ Cristiane está em outra.

Em menos de um mês, Zé Carneiro saiu do emprego na Coca-Cola e pediu a moça da foto em casamento. Foram morar na cidade dele, no sertão. Os negócios estão indo bem. Leninha toma conta da mercearia. E ele empresta dinheiro a juros.

Nas noites mais quentes, os vizinhos sempre escutam a moça da foto urrar, de prazer:

___ Ai, minha nossa senhora, como se deixa um homem desse.

Postado por Amin Stepple

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