terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O GARANHÃO SUTIL

Chegou a uma fase da vida que passou a sublimar até as mulheres, mas apenas para contatos físicos, não, os visuais. Onde queriam revólver, era coqueiro; onde queriam Leblom, Pernambuco; eunuco, garanhão, mas um garanhão sutil. Gostava era dele. Mais do que qualquer outra criatura. Um garanhão de si mesmo. De preferir fazer justiça com as próprias mãos, quando se tratava do prazer mundano. E não tivesse descoberto a arte de fazer cursinhos para emprego público já estaria fora do planeta há muito tempo.

Perguntava ao travesseiro por que era daquele jeito, por que não era como gostaria de ser, por que não era como os outros diziam que ele era, por que não fazia nada que rendesse dinheiro, por que nunca havia vivido um grande amor, por que não se interessava por uma causa qualquer, porque só comprava na alta e vendia na baixa, por que não conseguia dormir uma noite inteira?

Queria uma profissão, uma ideologia, uma crença. Mas vivia na contramão, como peixe fora d'água. Veio com defeito de fábrica, mas reclamar a quem a esta altura do campeonato? Ao Procom? Por que só via a imagem mas nunca conseguia ouvir o som quando assistia aos telejornais? O que aqueles belos moços e belas moças diziam que ele não ouvia? Adorava ver as repórteres falando, falando, falando, mas não entendia nada. Lindas, lindas, lindas, principalmente, as correspondentes internacionais: Giuliana, Giuliana, Giuliana.

Foi quando resolveu fazer concursos públicos em Brasília, a capital dos cursinhos. Virou concurseiro. Não queria passar, mas se en-tur-mar. Conhecer gente. Fazer amizades. Tanto é que estudava, estudava, estudava, mas faltava o dia da prova. O ritual era o mesmo: matriculava-se, conhecia as pessoas, e adoecia no dia D. O próximo concurso seria sempre bem melhor, seja para agente de portaria, ascensorista ou escriturário.

Nas salas de aula era calado. Mudo. Nem boa tarde nem nada. Entrava, e ficava sozinho na última fila. A meta era fotografar mentalmente as colegas para consumir depois, com calma, no aconchego do lar: o garanhão sutil investia silenciosamente, fitava bem a presa, com a máxima atenção, em busca de detalhes, minúcias.

Muitas vezes a colega estranhava tanta concentração em cima dela mas para ele quanto mais tempo na coleta visual melhor para o deleite noturno. Não queria contato físico com ninguém a não ser com ele próprio. Aliás, nunca quis, sempre se resolveu sozinho, nada de toques, beijos, abraços, procriação zero.

E seguiu fazendo cursinhos para nível médio, que é onde dizia encontrar as mulheres mais desejáveis. Os de nível superior reuniam mais as barangas. Queria as suburbanas, as que se vestiam nos magazines populares, que se arriscavam em saltos cinematográficos, que circulavam de ônibus, que distribuíam sensualidade até mesmo nos dias de prova, as que não estavam nem aí, assim como ele.

Fotografava com esmero uma colega suburbana por dia. E voltava para quitinete onde morava, para relaxar. Era tão feliz naquela cidade onde ninguém aparecia pra saber da vida de alguém. Um imenso vazio niemaiarmente sufocante.

Que lugar maravilhoso para alguma irremediável necessidade de se esconder um cadáver. Quanta vastidão ociosa, silenciosa, oculta. Como era bom não ter que dar bom dia nem boa tarde nem boa noite.

Para ele era só fechar os olhos e seu mundo único de sonho e aventura e magia aflorava. Sem sair da quitinete. Como se nunca tivesse saído da terra natal. Como se não fosse mais migrante, apenas um estrangeiro no próprio país.

Postado por Roberto Borges

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