quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O PRIMEIRO AMERICANO A PISAR NO SERTÃO

O eletricista Mané Peba foi uma das figuras mais interessantes de Sousa, uma pequena cidade encravada no Sertão paraibano. A sua competência em resolver problemas de eletricidade ganhou fama entre os conterrâneos. Os convites de outras cidades começaram a chegar.

O primeiro veio de Patos, a 120 quilômetros de Sousa, uma distância considerável, levando-se em conta que o cenário era a década de quarenta. A iluminação daquelas pobres cidades sertanejas era feita a motor movido a diesel. Luz elétrica só vinte anos depois.

Com o motor quebrado há mais de uma semana, a cidade estava às escuras. O que gerava revolta dos moradores e desgaste para o prefeito. A solução estava no eletricista Mané Peba.
O dia da viagem, feita no lombo de um burro, foi marcada e a cidade ficou na expectativa de viver dias melhores. O problema todo é que essas cidadezinhas do interior nordestino, tão castigadas pelas secas, são terras férteis para boatos.

E logo se espalhou a onda de que o eletricista convidado para vir consertar o motor e devolver a luz às noites patoenses era um americano. E a não se falou outra coisa mais na cidade, onde nunca antes o solo havia sido pisado por um estrangeiro.

Como boato a favor não se desmente, o prefeito ficou na dele. E não é que o boato correu tanto que chegou aos ouvidos de Mané Peba? E o velho eletricista tão acostumado a mil peripécias decidiu que essa não iria passar em branco.

Como gostava de ser o centro das atenções, cuidou logo de mudar o visual, mandar fazer novas roubas (frouxas), deixou uma barbicha, afiou as costeletas e comprou um par de óculos Ray-ban de um cunhado que acabara de chegar de São Paulo. Na companhia de um "secretário", juntou tudo numa mala e se mandou para Patos no lombo de um burro.

Quando os dois chegaram à pensão do centro da cidade, já era tarde da noite e a população dormia. Pelo adiantado da hora, nem candeeiro aceso poderia ser visto em algum lugar. Na manhã seguinte, o dono da pensão se encarregou de informar aos moradores que o "americano" contratado para consertar o motor havia chegado à cidade. E foi grande a correria para a frente da pensão. Homem, mulher, menino e os velhos curiosos também. Todos queriam ver um americano de perto.

E eis que de repente saem à rua Mané Peba e seu ajudante, uma espécie de Sancho Pança, que a essas alturas já tinha assimilado os delírios do chefe, tal qual na obra de Miguel de Cervantes.
Mané Peba estava vestido com uma camisa de xadrez na cor avermelhada, uma calça cáqui bem frouxa, botas de cano longo e o tal óculos Ray-ban. A multidão acompanhou os dois até o local onde estava instalado o motor que seria consertado.

A cidade parou para assistir ao trabalho que seria desempenhado por um americano. O prefeito era aplaudido a todo instante pela população.

Eis que Mané Peba começa o trabalho, orgulhosíssimo de estar sendo visto pela massa ignara como um estrangeiro, como um americano do Norte.

Olha pro seu Sancho Pança e grita em alto e bom som:
"Um chavo!".
E o pobre do ajudante lhe entrega uma chave inglesa.
"Uma parafusa!". E por aí segue. E a multidão vai ao delírio. E como Mané Peba era mesmo competente, pouco antes da hora do almoço o motor voltou a funcionar.

Saudado pelo prefeito e muito aplaudido pela multidão, ele se dirigiu ao restaurante do centro da cidade para saborear uma suculenta carne de sol, tão comum ainda hoje na região.
Almoçou em paz, mas a multidão não arredou o pé da frente do restaurante para admirá-lo. Eis que chega o triste fim do nosso Policarpo Quaresma às avessas.

Ao deixar o restaurante, é reconhecido por um vaqueiro que estava atravessando Patos em direção a Sousa para levar uma boiada comprada por um rico fazendeiro da cidade.
E o vaqueiro grita efusivamente para Mané Peba, revelando, em poucas palavras, não só seu verdadeiro nome mas também suas aptidões profissionais:
"Mané Peba, grande eletricista lá de Sousa, nossa terra, que tás a fazer aqui tão distante?".

E a decepção foi geral!
A luz foi devolvida à população, mas o sonho dos moradores de Patos de ver um americano de perto ficou para depois, muito depois.

Postado por ítalo Rocha

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