terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O GOLPE DO HIPOGLÓS

Desde cedo, Felicinho, como era carinhosamente chamado pelos pais e irmãos, deu a entender que veio ao mundo para se divertir. A passeio, como se diz. Ainda de calças curtas, era o mais treloso da rua onde morava no bairro do Cordeiro.

___ Esse menino é muito precoce.

A sentença era da tia Liolema, que cumpria com zelo religioso o papel de guardiã da moral e dos bons costumes da família.

Imaginoso e cheio de malícia, Felicinho aprontava na escola e na vizinhança. As mães se cansaram de ouvir as meninas, entre risos e gritinhos, reclamarem das mãos atrevidas do quase adolescente:

___ Deixa de brincadeira, Felicinho,

A vida seguiu seu rumo, Felicinho cresceu, passou no vestibular de Ciências Contábeis, e tomou o primeiro porre de Bacardi. Um rapaz esperto. A malícia ainda mais aprimorada pela juventude. Logo que conseguiu o primeiro estágio remunerado, avisou que estava alugando um apartamento. Iria morar só. A família aceitou a decisão com certa relutância. O lamento crítico da Tio Liolema não retardou:

___ Esses jovens botam cada coisa na cabeça. Esse cubículo vai ser um antro de devassidão.

Poucos meses depois de instalado no apartamento, Felicinho colocou um anúncio classificado no jornal:

“Precisa. Duas jovens enfermeiras para cuidar de rapaz com deficiência”.

Com a crise do desemprego, foram muitas as candidatas ao novo emprego. Felicinho selecionou duas moças, recém-saídas da faculdade. A pouca experiência seria compensada pela beleza física das enfermeiras. “Umas misses”,pensou. As enfermeiras iriam três vezes por semana cuidar do irmão gêmeo que morava com ele.

___ Meu irmão gêmeo é a minha cara. Só que doentinho. Quero que vocês cuidem dele como se fosse um filho. Alimentem bem e deem banho nele, por favor. Vou passar uns dias viajando. Na volta, conversaremos melhor.

No primeiro dia de trabalho, as jovens enfermeiras se penalizaram do rapaz. Ele se locomovia com muita dificuldade, balbuciava poucas palavras e gostava de tomar banho de banheira. Pedia sempre a mesma coisa:

___ Passa Hipoglós em mim.

Com zelo profissional, as moças passavam Hipoglós em quase todo o corpo do irmão gêmeo de Felicinho. E ele sempre se queixava de que a virilha estava irritada, por causa das fraldas que usava.

Nas visitas seguintes, o irmão gêmeo começou a implorar que as moças passassem também Hipoglós na região pubiana, no seu órgão sexual. Caso contrário, ameaçava contar a Felicinho que elas não estavam tratando bem dele.

___ Passa Hipoglós aqui, passa.


Mesmo relutantes, elas aprenderam na faculdade que o ofício tem ossos e músculos. Mas cansadas das sucessivas esquisitices do gêmeo, as moças já tinham resolvido que, no final do mês, quando recebessem o salário, deixariam o emprego e as bisnagas de Hipoglós.

Numa manhã, o irmão gêmeo, completamente nu, começou a perseguir as enfermeiras dentro do apartamento. Elas perceberam que ele corria como um maratonista da São Silvestre, sem qualquer defeito físico. Em plena forma.

O caso foi parar na Delegacia de Costumes. A polícia, eficiente como sempre, demorou mas descobriu que o irmão gêmeo e Felicinho eram a mesma pessoa. O mesmo safado. Ou, como um repórter policial escreveu: o maníaco do Hipoglós.

Pressionado pela polícia, Felicinho explicou sua tara pelo creme contra assaduras:

___ Seu delegado, há coisas que são insubstituíveis.



Postado por Amin Stepple

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