quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O SHOW DO REI NO NAVIO

A bala passou rente à testa, abaixou-se segundos antes. Foi quase. O segurança da farmácia também estava com medo. Biba deu mais um tiro, levou outro. Nenhum deles acertou nada. Os clientes apavorados escondiam-se de qualquer jeito, debaixo do balcão, atrás das prateleiras, e tome bala por todo lado.

A confusão deu uma diminuída depois dele fazer uma refém. Puxou a moça pelo cabelo, pediu silêncio com um grito endoidecido que calou a farmácia, que era para todo mundo ali ficar esperto senão a vítima iria pro fundo dos infernos, junto com ele e tudo, tá ligado?

Mas nada daquilo teria acontecido se ele não tivesse desprezado o convite do pastor para ser o criador dos cenários dos cultos. Sabia desenhar muito bem. Aliás, pichava muito bem. Foi da turma do Picasso não pichava - programa social da Ceilândia, a mais violenta cidade-satélite de Brasília.

O pastor era fã e encomendou pinturas diabólicas, demoníacas, satânicas para ilustrar as sessões de descarrego. Mas Biba estava em outra. Gostava mesmo era de pixar - com x. Os prédios mais altos da capital federal. Os muros das mansões mais inatingíveis. Os viadutos, as escolas, os hospitais.

Quando fumava crack, então, fazia cada viagem, mano, que não dá nem pra contar aqui, tá ligado? Escalava o imóvel, à primeira vista intocável, com a agilidade do homem-aranha, saca? Aquilo era sinistro, cara, muito louco, maluco-uuuuuuuu.

E agora estava no meio de um assalto à farmácia da quadra onde morava. Pensava em tanta coisa ao mesmo tempo, que aquele turco safado, dono da farmácia merecia um teco na cuca, sim, afinal lhe negara um remédio barato para avó doente não fazia nem um mês; que aquilo podia dar na maior merda do mundo e ele terminar os dias na penitenciária da Papuda; e que aparecer na tv, com o revólver na cabeça da refém, como ele estava assistindo naquele instante, não tinha nada a ver...

Biba estava ferrado. Quem dera desenhasse o que pastor queria. Mas não, não, preferiu o crime. Precisava de mais dinheiro, muito mais que o pastor poderia pagar. E não era pra ele, mas para avó doente que tinha um sonho: assistir ao show do rei Roberto Carlos no navio.

Que sonho doido, vó, maneiro, maneiro, mas muito louco, louco mesmo, viagem total. Vai, sim, a gente vai navegar com o rei, logo a senhora que nunca me pede nada, que não deseja nada, que está sempre doente, que vive na lama, merece, sim, merece, e a gente vai pra essa parada, sim.

Biba no crack virava outro. Era o dono do mundo. Viajava fácil, fácil na maionese. Quando conseguia dormir tinha pesadelo que estava na praça da alimentação do maior shopping da cidade com um fuzil israelense na mão detonando toda aquela gente que não deixava ele entrar lá. Era bala pra todo lado, nos balconistas, na clientela, nos caixas eletrônicos, nas lanchonetes. Fire, fire, fire. Só escapava a mãe, que ele ainda não conhecia, mas que a avó jurava ainda estar viva em alguma parte daquele cerradão de meus Deus...

Então, o Bope foi chamado. Biba ouviu pela tv. A repórter estava ao vivo, bonitinha que nem a moça que ele viu uma vez na entrada do shopping e que apaixonou na hora. O que foi aquilo naquele dia, minha nossa senhora? Foi tão forte que ele até chorou ao ouvir uma música de dupla sertaneja que tocou no rádio na hora. Nunca imaginara que choraria diante de canções sertanejas que até lhe causavam ânsia de vômito nos dias normais.

Mas o repertório agora, quando começa a negociação com a polícia é o da preferida de sempre, de cabeceira, dos melhores momentos de pixação, a Amy Winehouse - No, No, No...Cada vez mais alto, No, no, no. Como se ele estivesse com o ipod roubado, aquele da capinha branca, No, no, no...Cada vez mais alto. Daí não deu nem pra ouvir o tiro. O atirador do Bope, que em Brasília não erra uma, detonou a cabeça de Biba, ao vivo, para todo o Brasil.

A avó assitiu a tudo com a vizinhança do lado, e ainda reuniu forças para contar à bela repórter, horas depois, em meio a um chororô danado, na surrada poltrona do barraco, que Biba era um neto muito bom, que ela queria justiça, que ele era tão bom que todo ano assistia ao show do rei pela tv, na véspera de natal, de mãos-dadas com ela, até o final, sem reclamar de nada, até o fim, sem levantar nem nos intervalos, até o fim.

Postado por Roberto Borges

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